Páscoa Literária: a força poética do pernambucano Plínio Pacheco
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Páscoa Literária: a força poética do pernambucano Plínio Pacheco

Por Glauco Cunha Cazé*
Especial para o RioMar Recife

Uma nova Semana Santa se apresenta, ainda inabitual. E as diversas encenações da Paixão de Cristo, patrimônios do Estado, dormitam pela ausência do público fiel. São tempos de resguardo – também – cultural. E se a experiência viva da cena nos é, por ora, desaconselhada; que possamos vivenciar, ao menos, a experiência literária presente e percebida nos textos bíblicos, e mesmo apócrifos, tão verbalizados nas encenações desse período pascal.

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A literatura tem sido parceira em tempos de reclusão. Literatura e Paixão! Façamos então uma reflexão sobre o texto de Plínio Pacheco, escrito para as representações anuais da Paixão de Cristo, em Fazenda Nova, partindo das seguintes indagações: Quanto de boa literatura deixa de ser percebida por ocasião da cena, da ação, nesse espetáculo que é, em Pernambuco, a representação máxima da vida de Cristo? Quanto que a literatura brasileira influenciou, por certo, o dramaturgo, cidadão pernambucano?

Para além da concreta dimensão das sete portas e setenta torres, dos cenários agigantados pelo olhar petrificado dos que fazem o mergulho na história; para além das luzes e da sonorização que conferem certo animismo aos indefectíveis rochedos do ambiente agreste, que tanto favorecem a simbiose palco/plateia; a história mais conhecida de todos os tempos é representada, muitas vezes, sem que seja percebido o instigante exercício poético/filosófico do texto escrito por Plínio Pacheco para o maior teatro ao livre do mundo.

Ao concluir o texto, escrito para a temporada do ano de 1968, o fundador do teatro de Nova Jerusalém e da Sociedade Teatral de Fazenda Nova, conseguiu “subverter o princípio teológico” de que não se pode servir a dois senhores. Na clausura necessária para a escrita do enredo do espetáculo, Plínio Pacheco serviu à Bíblia e à Poesia, à religião e à estética, potencializando a encenação a partir de uma encantadora e plural dramaturgia.

Na prática literária, via de regra, o leitor de um texto dramático é fisgado pelas palavras e, no trânsito da leitura, constrói cenários e ambientes cativantes de toda ordem. Estando em Nova Jerusalém, as imagens antecedem a palavra, ao texto; que uma vez não lido, mas ouvido por um vigoroso sistema de som, vem sempre depois da experiência sinestésica. É necessário, então, pensar o texto enquanto literatura, enquanto verbo; é necessário iluminar as palavras dormentes no interior da rocha, esculpindo o anjo até libertá-lo.

O que dramaturgo faz, e com bastante competência, é acrescentar à história bíblica considerações poéticas (e mesmo filosóficas) a temas que, como a própria história do Cristo, continuam atuais e pertinentes, como as questões levantadas acerca do ódio, do amor ou do poder. Com Plínio Pacheco, o texto religioso se reveste de um aspecto mais amplamente intelectual e, por extensão, inquiridor.

A criação poética é percebida em cenas das mais distintas no decorrer da trama. São delicadas metáforas, preciosas sonoridades rítmicas, cuidadosas escolhas lexicais, usufruto de recursos estilísticos dos mais diversos, que dão potencialidade a um texto.

É bem possível que entre a leitura da Bíblia e a leitura de textos poéticos de autores diversos, Plínio Pacheco tenha percebido o diálogo possível e bem-vindo entre os gêneros literários na composição da tessitura de sua dramaturgia. Muitos exemplos poderiam ser apresentados aqui, não fosse a necessidade de contenção destas linhas que já se fazem alongadas. Segue-se, então, uma pequena observação desses diálogos possíveis, que por certo colaboraram para a imaginação criadora do autor.

JUDAS (Chorando)
E, por isto, nos destes olhos?
Para chorar a morte dos mortos?
E lábios – para beijar os lábios dos mortos?
E mãos para enterrar o corpo dos mortos?
E espírito – para recordar a lembrança dos mortos…
(PACHECO, 2001, p.189)

Vinícius de Moraes
“Poema de natal”
Para isso fomos feitos
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra…

Se por mais este ano as encenações da Paixão de Cristo estão suspensas em benefício da vida, que possamos relembrar – nesta Páscoa – a morte e a ressurreição de Jesus Cristo por meio da leitura de textos que, a exemplo de “Jesus, Peça em Dois Atos”, de Plínio Pacheco, apresentam harmoniosas combinações entre a liturgia espiritual e o prazer literário.

Plínio Pacheco nos proporciona uma deliciosa leitura, que em nada se faz simples. Ao contrário: é firme como as rochas que circundam seu teatro. Lembrando as palavras de Clarice Lispector: “Não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aço espalhados.” E que essas faíscas e lascas do texto de Plínio continuem inspirando os leitores de agora.

*Glauco Cuna Cazé é Doutor em Teoria da Literatura pela UFPE e professor de Literatura da Faculdade Frassinetti do Recife – FAFIRE.

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