Por Maria Luiza Borges*
Estamos prestes a ver surgir uma nova internet – descentralizada e mais segura. Em dez anos, já não usaremos smarphones, mas interagiremos por voz e gestos com dispositivos conectados na nuvem e com capacidade de nos reconhecer onde quer que estejamos. E viveremos cada vez mais. Passar dos 100 anos não será um feito digno de registro, como acontece hoje, graças a grandes avanços da medicina e da biotecnologia.
Há muitos sinais desse futuro já hoje. E juntar esses sinais em um só lugar é o que acontece uma vez por ano em Austin, cidade texana de um milhão de habitantes. Todo mês de março geeks de todo o mundo batem ponto na South by Southwest (SXSW), ou simplesmente South By, como carinhosamente os moradores da cidade chamam esse que não é um, mas três festivais diferentes: um de interatividade (onde pesquisadores, empresas e curiosos se encontram), um de cinema e outro de música.
Um dos melhores aspectos do festival é exatamente ouvir falar essa gente que estuda o futuro – sim, futurista é realmente uma profissão. Ainda mais quando, além de futuristas, alguns são bilionários, executivos das maiores empresas do mundo, ou celebridades que só vemos em filmes. E por mais estranhas que algumas previsões possam parecer, elas vêm lastreadas em números ou em pesquisas disruptivas.
Os assuntos são muitos e variados, mas no cômputo final, pelo menos quatro grandes temas estavam por toda parte, pela quantidade de eventos dedicados a eles: 1. Inteligência artificial/aprendizado de máquina; 2. Realidades mistas (virtual e aumentada); 3. Blockchain e 4. Biotecnologia. Todos interconectados e com uma boa dose de discussões sobre inclusão – de gênero, etnia e de diferentes visões de mundo.
1. Inteligência artifical e aprendizado de máquina (AI/ML, das iniciais em inglês)
» Máquinas programadas para aprender com o homem e quem sabe, até fundir-se a ele, ampliando exponencialmente nossa inteligência, são uma realidade que assombra. A ponto de o bilionário Elon Musk, da Tesla (fabricante de carros elétricos) e SpaceX (empresa que faz foguetes melhores e mais baratos do que a Nasa), sentenciar: “AI é mais perigoso que explosão nuclear.”
» Uma inteligência que, embora artificial, tem uma boa dose de emoção e empatia. Voz e expressões faciais são sinalizadores de emoção e as máquinas já estão preparadas para interpretar se estamos felizes, tristes ou irritados. A interação por voz deve se popularizar nos próximos anos, a ponto de se transformar na principal forma de interação homem-máquina até 2021 nos países desenvolvidos. Assim vamos monitorar a saúde, pedir informações ou até simular companhia.
» Um bom exemplo do uso de IA veio da empresa que ganhou o prêmio Best in Show do SXSW, a Unanimous, de São Francisco, Califórnia. O sistema de inteligência artificial que desenvolveu tem potencial de revolucionar pesquisas de opinião e previsões. Batizado de Swarm AI, o sistema coleta em tempo real informações, opiniões e até o humor de um grupo de pessoas e os agrupa com a lógica coletiva de uma colmeia, retirando insights com capacidade de adaptar-se rapidamente a novas circunstâncias. O Swarm AI acertou 94% dos ganhadores do último Oscar. E previu quanto seria a popularidade de Trump após cem dias de governo antes mesmo de serem completados os cem dias.
» Também é a inteligência artificial que permite que carros sem motorista já estejam circulando em ruas de verdade e em tempo real. A Waymo, subsidária do Google, tem minivans autônomas da Chrisler nas ruas de Phoenix, Arizona. E a tecnologia que dá precisão à operação está pronta para ser expandida a outras cidades.
» Num futuro próximo, o onipresente smartphone deve ser aposentado. Cada vez mais interagiremos por voz e gestos com dispositivos múltiplos e vestíveis como roupas e óculos (por sinal, Levi’s e Google já estão vendendo nos EUA a jaqueta que controla música, ligações e GPS através de um sensor no punho). A princípio esses dispositivos estarão conectados a um celular. Mas no futuro, a conexão deve migrar para a nuvem. A especialista Amy Webb diz que até 2028 os celulares devem estar ultrapassados. E há quem diga, como Ray Kurzweil (diretor de engenharia do Google) que uma fusão homem-máquina pode acontecer com dispositivos implantados dentro de nós, fato que ele chama de singularidade e prevê a ocorrência até 2045.
2. Realidade virtual, aumentada e mista
» O tema já é trend na SXSW há pelo menos três edições, mas o que se viu na edição de 2018 foram as técnicas de imersão sendo aplicadas em toda parte – do cinema aos games, do trabalho às vendas e brincadeiras. E misturadas a ponto de já ser transparente ao usuário se o que está usando é realidade virtual (que transporta a pessoa para uma experiência remota) ou realidade aumentada (que inclui elementos virtuais no ambiente em volta do usuário, como no jogo Pokemon Go).
» Essas técnicas devem mudar nossa percepção do que é o mundo a nossa volta. Será que viveremos todos como em Jogador Nº 1, de Spielberg (que ganhou premiére mundial e instalação com experiência imersiva durante o festival), onde os habitantes passam a maior parte do tempo interagindo com um mundo virtual para escapar das dificuldades do mundo real? O SXSW tinha muito mais. Um dos hotéis que sediou o festival abrigou um evento com 29 diferentes experiências imersivas de cinema.
» A Panasonic, em seu lounge, apresentou o Wear Space, óculos especiais que ajudam o indivíduo a se concentrar no trabalho ao bloquear a visão periférica e neutralizar os ruídos; e um outro que automatiza o treinamento de chefs de cozinha para preparar pratos sofisticados. O processo de venda, principalmente de itens de luxo, também tem potencial para mudar. O lounge da Mercedes, por exemplo, permitia a demonstração remota de itens de luxo de um automóvel a ser fabricado sob medida, podendo o usuário experimentá-los remotamente antes mesmo de entrar em linha de produção.
» Games cada vez mais imersivos também são tendência e, além dos tradicionais óculos e comandos, devem incluir elementos “reais” para serem tocados e sentidos durante o jogo. A Merge, por exemplo, criou uma pistola para games de realidade virtual e aumentada, a Blaster. Paralelamente a novos dispositivos, nota-se a impressionante profissionalização do segmento de jogadores de jogos eletrônicos, onde celebridades já contam com equipe completa de assessores médicos e nutricionistas.
3. Blockchain
» A internet está prestes a ser reinventada. Será mais segura, descentralizada e desintermediada. Isso graças a uma cadeia de registros de certificação e criptografia de todas as transações que ganhou o nome de blockchain. É ela que permite o surgimento das criptomoedas, dinheiro que só existe no mundo virtual e que não é emitido por nenhum governo ou nenhuma casa da moeda.
» Daqui a alguns anos, será através da blockchain que nós faremos contratos, disponibilizaremos o conteúdo que produzirmos online sem o risco de sermos pirateados, armazenaremos nossos registros médicos, conseguiremos crédito. Nesse sistema de registros em que é o consenso da maioria que garante uma transação, em um contrato de aluguel, por exemplo, já não será preciso fiador ou agente imobiliário. Os registros de tudo o que fizemos vai estar armazenado por vários usuários com quem interagimos e são eles que vão indicar se aquele contrato deve ou não ser validado.
» Na SXSW houve dezenas de eventos sobre o tema, enfatizando seu potencial nas áreas de saúde, de logística, de produção de alimentos, jurídica, de entretenimento… há muito código a desenvolver, capacidade de processamento a aumentar, mas há gente no mundo inteiro trabalhando nisso, em código aberto.
4. Biotecnologia
» Avanços nas áreas médicas e de biologia devem permitir num futuro próximo o aumento da expectativa de vida. Viver além dos cem anos deve se tornar comum. Várias pesquisas nessa área foram apresentadas. Uma empresa americana chamada Unity Biotechnology, por exemplo, trabalha para evitar o acúmulo de uma proteína (beta-galactosidade) nas células, um dos fatores responsáveis pelo envelhecimento. Outra pesquisa, essa ganhadora de um dos prêmios do festival, vai permitir a identificação de células cancerígenas em 10 segundos e com precisão superior a 96%. A caneta MasSpec foi desenvolvida na Universidade do Texas e deve tornar mais rápidas e precisas as cirurgias para retirada de tumores.
» Ray Kurzweil, do Google, disse no evento que biotecnologia não é apenas mais uma forma de medicina, mas um método de reprogramação profunda do software desatualizado que carregamos (nosso DNA, composto por nossos genes). “O DNA é uma forma linear de dados que controla nossas vidas. Mas eles ao de uma época em que não havia interesse da espécie humana de viver mais de 25 anos devido à limitação de alimentos e recursos”, diz. O mundo à nossa volta mudou. Nosso padrão biológico, ainda não. É para mudar esse desequilíbrio que os cientistas estão trabalhando.
*Maria Luiza Borges é diretora digital do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação. A jornalista esteve presente no SXSW, realizado recentemente em Austin, no Texas (EUA).
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