Por Hana Pedrosa e Thiago Abércio
Do RioMar Recife
Graças ao grande sucesso da exposição de ‘Michelangelo: o Mestre da Capela Sistina‘- que está ocorrendo no Piso L3 do RioMar Recife até o dia 30 de setembro – o Viva RioMar convida o pesquisador e professor de história Thiago Abércio para trazer sua perspectiva sobre a ligação entre Michelangelo e o Renascimento. Assim, Thiago destaca aspectos importantes da vida e das obras do artista para quem deseja mergulhar ainda mais fundo nessa imersão, além de servir como material de apoio para estudantes do Ensino Médio.
Michelangelo: um mestre que conquista a realidade divina tornando-a humana
Por Thiago Abércio
Durante muitos séculos, a criação artística esteve voltada para a imitação e a transmissão do significado da arte sacra. Não é de hoje que a arte ocupa um papel central na vida humana, sobretudo, as imagens. Estar diante de um afresco, por exemplo, significava fazer parte de algo maior, transcendente. Dessa forma, é possível dizer que os artistas renascentistas, especialmente Michelangelo, orientam suas obras a partir de algumas inovações e mudanças no campo da arte, sendo elas as ideias de harmonia, inovação, perspectiva, equilíbrio e perfeição, tendo como matéria prima de suas criações o próprio corpo humano.
Nesse sentido, visitar a exposição “Michelangelo: o Mestre da Capela Sistina” é uma oportunidade de conhecermos não apenas as representações das obras deste artista italiano, mas a sua própria vida, pensamento e trajetória.
Quando jovem, aos treze anos, Michelangelo foi treinado como qualquer outro artífice, sendo aprendiz por três anos na oficina de um dos principais mestres do Quattrocento florentino, o pintor Domenico Guirlandajo (1449-1494). Mesmo aprendendo as técnicas necessárias para a realização do ofício, o jovem Michelangelo não optou por seguir os passos de seu mestre. Suas ideias sobre arte eram muito distintas. Enquanto Domenico pintava a partir de técnicas consagradas do presente. Michelangelo decidiu voltar o seu olhar para o passado, ao estudo dos grandes mestres do passado.
Ao estudar arte pela ótica dos artistas gregos e romanos, Michelangelo passa a apreender que além da perspectiva, tridimensionalidade, uso das cores, havia algo de grande importância: o movimento que envolve o corpo humano, assim como os detalhes que nos constituem.
Michelangelo é convidado pelo papa Júlio II a voltar a Roma a fim de decorar a abóbada da Capela Sistina, capela esta que já havia sido decorada por artistas conhecidos do Renascimento. Ao se render ao projeto da empreitada, o artista florentino ao longo de quatro longos anos decide realizar solitariamente uma das obras mais belas da história da arte: pinturas que retratam histórias do Livro de Gênesis, da criação à queda humana. Cenas religiosas estranhamente familiar para todos nós.
Mais do que um conjunto de representações sagradas, olhar para o teto da Capela Sistina é um convite a adentrar um mundo diferente, algo invisível aos olhos. Além da parte central do teto, Michelangelo inseriu imagens gigantes dos profetas do Antigo Testamento, alternando-as com imagens das Sibilas que, segundo a tradição, anunciaram aos povos considerados pagãos a vinda do Messias.
Ao nos voltarmos para o centro do teto, observamos a cena que representa a criação de Adão. Segundo o historiador da arte italiano Carlo Argan, Michelangelo foi um dos únicos artistas a criar um dos maiores milagres na arte: fazer do toque da Mão Divina algo extremamente familiar. Um gesto de criação, um pequeno intervalo entre o divino e o humano. Dois corpos que se afastam ou se aproximam mesmo estando estáticos.
É ainda na Capela Sistina que podemos, 25 anos depois após a pintura do teto, observar um dos afrescos de Michelangelo mais fascinantes: O Juízo Final (1535-1541). Inspirada na narrativa biblíca, Michelangelo pinta uma das paredes da capela, representando o dia da consumação do mundo. Concebida a partir da ideia de contra ponto e dualidade, o afresco expõe detalhadamente a tensão da suposta cena.
Na ocasião da pintura do Juízo, Michelangelo já era consagrado em todas as artes. Não é a toa que, conforme afirma o historiador da arte Howard Hibbard, por volta de 1540, Michelangelo já havia alcançado status e riquezas desconhecidos a artistas anteriores. Enquanto durante “o período da Sistina [da pintura de volta] ele assinava suas cartas ‘Michelangelo scultore’, agora é meramente ‘Michelangiolo'”.
O escritor alemão, Johann Goethe, esteve certo ao declarar em um dos seus textos uma afirmação contundente sobre Michelangelo: “Quem não viu a Capela Sistina não pode ter uma ideia exata do que uma pessoa é capaz de fazer.” De fato, a arte renascentista de Buonarotti, mesmo após tantos séculos, continua sendo para nós um convite para rompermos com o tempo acelarado, a pressa e a mecanicidade do nosso olhar, ao mostrar a importância de observar na arte, e em nós mesmos, a beleza dos detalhes, estes humanamente divinos. Em outras palavras, Michelangelo conquista a realidade.
Thiago Abércio: pesquisador e professor de história
Thiago Abércio, professor, historiador, mestrando em História da Arte no Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (PPGH/UFPE) e escritor. Thiago, 25 anos, é recifense e atua em áreas que interseccionam a pesquisa e ensino em história, artes visuais, literatura e escrita. Graduado em História (UFPE), formado no Programa Formativo em “Patrimônio, memória e gestão cultural” no Centro de Pesquisa e Referência do museu Casa Mário de Andrade.
Ele também é professor do pré-vestibular do Instituto João Carlos Paes Mendonça de Compromisso Social (IJCPM), projeto que promove aulas de segunda a sexta-feira para jovens da comunidade que pretendem ingressar na faculdade através do Enem. Thiago, antes de se formar em História, também foi aluno do pré-universitário do IJCPM e conseguiu sua vaga na universidade através desse projeto.
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